Wednesday 26 August 2009

Ensaio sobre alguma coisa [2]

Ah, manhã. Ah, ar fresco da manhã. Levanto-me lentamente como quem quer ficar grudado na cama pra sempre. Olho-me no espelho. Barba por fazer, cabelos emaranhados. Não quero cortá-los. Não quero cuidar de mim, isso é coisa de guria.

Meu lábio superior parece ter sofrido um corte. Coisa pouca, arranhãozinho de nada. Marcinha, Marcinha... morena impagável.

Mesmo à mercê da mais vária sorte de mulheres minha boca sequer saliva. Aos 20, ah saudoso tempo, eu vivia para salivar! E degustar, e explorar cabelos, pescoços e pernas e arrepios. Sumia no dia seguinte, apanhava na rua. Soninha enfiou a mão na minha cara sem dó nem piedade e eu quieto, baixei a cabeça e segui caminhando. Soninha... gritava assim, na rua, sem medo que eu ia pagar por tudo que lhe fizera. Mas que tudo é esse? Mulheres, enfim.

Ah sim, estávamos a falar sobre a minha boca e o machucado. Tenho lábios finos mas não tão finos a ponto de não serem desejados pelas menininhas que passeiam pelo parque escutando músicas em seus ipod e o caralho a quatro que seja que chamem aquelas quinquilharias. Não sou velho. Sou um cara conservador. Conservador das coisas boas da vida. Gostava de ouvir LP, gostava quando o tempo passava mais vagarosamente. Agora? Tudo voa. Voa tanto que nem senti o corte na minha boca. Marcinha, Marcinha, o que foi que você fez?

1 comment:

Jaime A. said...

Li com muito gozo este texto de um conservador (que até nem deve ser assim tanto) e das suas memórias gráficas, coloridas.
Um corte na boca que o traz de regresso à realidade?